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Em nosso país, ninguém - mesmo quem muito viveu ou viverá - pode ou poderá dizer que não se surpreendeu ou não se surpreenderá com nossa capacidade de produzir absurdos que a ficção surrealista não ousaria elaborar. Somos, sim senhor, um país surreal. Aqui todos os absurdos são permitidos; aqui as mais desvairadas fantasias viram realidade. Aqui, o desatino se eleva ao patamar da normalidade e ai de quem se oponha à patética aceitação desse fato.
Aqui, um presidente da República acha absolutamente normal nomear ministro de Estado alguém cujas credenciais e referências não vão muito além da amizade com seus complicados filhos ou se limitam à convergência de um ideário religioso e de valores morais de duvidosa amplitude e de incerta permanência.
Aqui, um presidente da República, eleito pelo voto popular, democraticamente, portanto, acha saudável participar de atos públicos atentatórios à normalidade da vida das instituições democráticas. Aqui, aceita-se como padrão um interminável desfile de políticos populistas, que se alçam, incensados por seus ocos acólitos, à condição de salvadores da pátria. Aqui nascem, fenecem e revivem as mais esdrúxulas teorias conspiratórias. Aqui, se rotulam adversários com base em ignominiosas fake news.
Aqui se fabricam ídolos políticos vazios, toscos, grosseiros, ignorantes, despreparados, irresponsáveis. Aqui se fabricam ídolos cujos ídolos deslustram a história da humanidade. Aqui se fabricam ídolos cujos ídolos desrespeitaram os mais comezinhos princípios de civilidade. Aqui se fabricam ídolos que idolatram torturadores e acham normal confundirem, aqui e ali, seus caminhos e suas vidas com os caminhos e as vidas de notórios milicianos.
Aqui, discordar implica quase automático recebimento de agressivas ofensas afastadas de qualquer amparo lógico ou substrato fático consistente. Se discordo do atual estado de coisas no país, sou "comunista, petista, lulista, corrupto, esquerdopata" e querem de pronto me mandar para Cuba ou para a Venezuela. E pouco importa que eu não seja comunista, que eu não seja petista ou lulista e que não concorde com os regimes políticos implantados na Ilha e na Venezuela.
Semana passada, todos assistimos atônitos a contundente despedida televisiva do senhor Sérgio Moro do Ministério da Justiça e, no mesmo dia, a constrangedora resposta do presidente. Espero, e imagino que a maior parte dos brasileiros também, os desdobramentos jurídicos e políticos do primeiro episódio, o qual pela gravidade das acusações do ex-juiz federal paranaense, deverá resultar em algum tipo de responsabilização do primeiro mandatário da nação, já enleado em razão de sua participação em recente ato público de agravo aos poderes Legislativo e Judiciário e de afronta à Constituição Federal, constituição que o presidente em chilique arbitrário comparável à celebre manifestação do Rei Sol, Luiz XIV (L'état c'est moi) disse ser ele.
Se o rei francês via em si mesmo a centralização do Estado, nosso presidente, em arroubo próprio dos autoritários, entendeu fundirem-se em ente único ele e nossa carta magna. Se "arranhasse" francês, talvez tivesse dito do alto de sua empáfia: "Je suis la constitution".